Segundo a acusação, entregue à Justiça no último dia 10, a paciente Jacqueline Ferreira Rufino receberia o rim esquerdo do irmão, o mecânico Josevan Ferreira Rufino, em 3 de agosto de 2006. Durante o procedimento, logo após a implantação do órgão os médicos teriam enfrentado uma intercorrência incomum. Como o órgão não funcionou no corpo da paciente transplantada, foi retirado no mesmo dia.
A pedido da família, o rim retirado foi "devolvido" à família de Josevan e, por solicitação do MP, enviado para análise. A Promotoria de Defesa da Saúde de São Luís pediu um exame de DNA, para confirmar se o rim transplantado era o mesmo retirado do irmão da paciente.
Segundo o MP, dois exames foram realizados: no Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública da Bahia e, em seguida, no Instituto Nacional de Criminalística do Ministério da Justiça. A conclusão das duas perícias: o rim extraído não poderia ser do irmão da doadora, como alegou o hospital.
“Foram feitas a prova e a contraprova do rim, entregues como se fosse Josevan. Os dois exames apontaram que a peça não era dele nem pertencia a ninguém da linhagem materna. O verdadeiro rim dele está desaparecido, dou como extraviado. O hospital, até hoje, nunca nos apresentou”, segundo o promotor de Defesa da Saúde Herberth Costa Figueiredo.
Segundo o promotor, as alegações do hospital para explicar o sumiço não convenceram. “O HU diz que a peça foi identificada erradamente. Mas o hospital nunca indicou qual seria a peça certa para fazermos a contraprova. Uma coisa sabemos: esse rim não foi para o lixo, pois a lei não permite. Não houve transparência alguma nesse processo”, disse, sem descartar a possibilidade do órgão ter sido repassado vítima de tráfico de órgãos. “Até que me apresentem o rim, ficará a suspeita.”
Para o promotor, além do desaparecimento do rim, a equipe médica falhou ao não pedir um exame de histocompatibilidade entre doador e receptor.
“Esse exame é básico e serviria para identificar a anormalidade que os médicos dizem que o rim tinha, que seriam três artérias -- quando o normal são duas. Isso é uma anomalia, foi relatado pelos médicos em depoimento. Mas não se pode comprovar se a alegação é verídica, pois não o rim do rapaz nunca nos foi entregue. Rins com três artérias, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, não podem ser transplantados”, disse Figueiredo.
Por conta da cirurgia mal-sucedida e supostos erros, o promotor denunciou os quatro médicos por “crime especial previsto de remoção indevida, de acordo com a Lei 9434/97, que regulamenta os transplantes.” “Como houve perda de órgão, a pena varia de reclusão de quatro a 12 anos de prisão”, complementou Figueiredo.
O promotor alegou ainda que, como o transplante não foi bem sucedido, Jacqueline está com estado de saúde agravado, já que doente renal crônica e não conseguiu outro doador. “Já para Josevan, que foi o doador, houve um dano que foi a retirada do órgão, diminuindo sua função.”
Hospital nega
O Hospital Universitário da UFMA, foi procurado, mas a assessoria de comunicação informou que a instituição não iria comentar a denúncia do MP. Segundo o assessoria, todos os esclarecimentos sobre o caso foram dados em entrevista coletiva de janeiro de 2008.
Em nota enviada à reportagem nesta quarta-feira (18), o hospital negou as denúncias do MP e informou que, à época do caso, não foi aberta sindicância para investigar o transplantes, já que “a Instituição possui todas as provas comprobatórias de regularidade do procedimento.”
Em 2008, a direção do Hospital Universitário explicou, em entrevista coletiva, que os pacientes foram submetidos a todos os exames previstos no Programa Nacional de Transplante Renal do Ministério da Saúde.
Segundo a instituição, não existira qualquer possibilidade do rim utilizado na cirurgia não ser o retirado do irmão da paciente, já que as cirurgias são realizadas de forma simultânea. A suspeita de tráfico de órgãos foi repelida veementemente pelo hospital -- o rim teria sido entregue aos familiares 21 dias após a cirurgia.
Ainda segundo o hospital, durante o implante ocorreu uma das complicações previstas na literatura médica --a trombose dos vasos renais da receptora--, o que teria causado uma obstrução do fluxo sanguíneo e impedido o sucesso do transplante. A equipe médica teria feito todas as manobras para tentar uma recuperação, mas sem êxito, quando decidiram retirar o rim do corpo da paciente.
O hospital informou ainda que ocorrências nesse tipo de cirurgia ocorrem entre 3% a 5% dos casos e que os pacientes sabiam dos riscos. A equipe garantiu que prestou toda assistência ao doador e à receptora no período pré e pós operatório. A instituição disse que havia realizado, à época, 188 cirurgias bem sucedidas e que o hospital seria uma referência nacional em transplantes.
O Conselho Regional de Medicina do Maranhão também foi procurado nesta quarta-feira, mas o órgão não informou se os médicos responsáveis pela cirurgia respondem ou responderam a sindicâncias, já que os processos tramitam sob sigilo.
(Site Uol)