O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)—seccional Tocantins, Ercílio Bezerra, disse em entrevista que o aspecto mais grave deste ciclo vicioso da corrupção é a interferência do Executivo nos outros poderes. E vai mais longe, acusa o eleitor de também ser responsável por este processo ao votar em pessoas que ele não confia, “mas dá um mandato para representá-lo,” observa.
O presidente avalia que a ingerência do governo provoca danos ao funcionamento do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa, que se tornam poderes subservientes ao Executivo e deixam de cumprir suas funções. “Alguns desembargadores têm verdadeira veneração pelo governador,” observa o presidente, que explica que no Tocantins os poderes carregam vício de origem, nos 23 anos do Estado os integrantes de todos os poderes foram indicados por um mesmo governante.
Sobre o escândalo no Tribunal de Justiça do Tocantins, a mais alta corte da Justiça do Estado, que culminou com o afastamento de 4 dos 12 desembargadores que compõem o TJ, o presidente observa que a denúncia de venda de sentença já era do conhecimento de vários órgãos de imprensa, mas se demorou muito para comprovar a necessidade de apuração e agora precisa haver punição. “O reflexo é o mais negativo possível, mas também tem seu lado positivo se essa investigação chegar ao ponto de esclarecer e punir efetivamente os culpados.”
Na entrevista Ercílio Bezerra fala ainda sobre polêmica em torno do exame da Ordem, explica os motivos da baixa avaliação das faculdades de Direito e defende a idéia de que a sociedade precisa exercer melhor o controle dos poderes. Por fim, considera inaceitável o número de prefeitos tocantinenses respondendo a processo por improbidade administrativa. Bezerra convoca a sociedade a dar um basta neste tipo de corrupção. “O voto é um instrumento fantástico, se exercido na sua plenitude, com sua independência é uma arma fortíssima contra a corrupção e o abuso de poder”, reforça.
O senhor tem falado em corrupção de influência do Poder Executivo no Judiciário e na Assembléia Legislativa. Explique isso.
Ercílio: Ao longo da história do Tocantins nós temos visto vários fatos que têm causado perplexidade à opinião pública tocantinense bem como aos segmentos organizados da sociedade. Do ponto de vista da Assembléia (Legislativa) ao longo da história do Parlamento não importa qual governante esteja no exercício do mandato, nós vimos que numa equação bem complicada praticamente todos os projetos enviados pelo governo foram aprovados num regime de extrema urgência. Não importa a complexidade dessa matéria. Nós também vimos que essa mesma Assembléia aprovou os nomes para compor os tribunais, tanto o Tribunal de Justiça como o Tribunal de Contas de uma forma extremamente forte, como se não quisesse que a sociedade participasse desse debate. Por sua vez o Tribunal de Contas tem na sua composição nomes que, apesar de valorosos, foram indicados por um único governante. E a gente nota de forma muito clara que todos eles dedicam um agradecimento e um reconhecimento acima do esperado para o atual governador (Siqueira Campos), como se eles não estivessem lá exercendo um cargo que a Constituição Federal assim determinou. Isso naturalmente reflete na análise de todos eles. Não apenas nos processos que têm origem em quem os nomeou, mas também de seus desafetos. Não rara vezes nós vimos que isso, pelo menos nos bastidores, é comentado e do ponto de vista do Tribunal de Justiça isso ocorre com muita freqüência. Se analisarmos ao longo da história do Tribunal como foi o pagamento dos precatórios vemos isso. Só não vê quem não quer ver. Qual foi a grande decisão contrária ao interesse do governo que o TJ do Tocantins tomou ao longo da sua história? Não vamos achar ou teremos que procurar com muito cuidado.
Muitos, senão todos, desembargadores que compõem o Tribunal de Justiça têm verdadeira veneração pelo governador e isto é de se questionar. Essa veneração não os impede de agir com a devida isonomia? É comum dizer que um desembargador pertence à situação, pertence à oposição. Um julgador não pode ser nem situação nem oposição. Se pertencer a qualquer lado político está errado. E se deixar influenciar pelo governante é um ato de corrupção, a pior de todas, uma corrupção que dificilmente se consegue combater com eficiência. No Tocantins a notícia de que havia corrupção no Judiciário, principalmente na cúpula, já era de conhecimento de todos os órgãos de imprensa, mas como provar? No ato de corrupção há um corrupto e um corruptor, um ativo e um passivo, e nem sempre conseguimos que um dos elos revele o que ocorreu, então ficávamos nos comentários e suposições.
Como o Fórum de Combate a Corrupção vai atuar?
Ercílio: Nós temos que fazer um registro. Esse mal não é tocantinense, é do Brasil, e isso reflete não só aqui como nos tribunais superiores. O ideal para que isso não ocorresse seria a permanente oxigenação do Poder Judiciário. E isso só se faz de uma única forma: o julgador de segundo grau, o ministro de um tribunal superior deveria cumprir mandato por prazo determinado, porque ele saberia com certeza que ao final daquele período voltaria para a primeira instância e se igualaria aos demais. E que essa escolha fosse de forma muito democrática, transparente, é a forma que nós vimos para que isso deixe de ocorrer. Isso para os tribunais de justiça, para os tribunais de contas, para os tribunais superiores é o caminho. No âmbito do governo federal, só um partido político ao final da gestão da presidente da República, Dilma Rousseff, terá nomeado praticamente todos os ministros dos supremos. Isso não é bom porque ninguém nunca viu um governante escolher um desafeto para exercer um cargo desses, por mais competente que seja. Sempre é escolhido alguém próximo ao governante. Se isso não gera um compromisso, pelo menos gera um sentimento de gratidão. E o julgador não pode ter sentimento de gratidão. Portanto, penso que o melhor caminho para todo o judiciário brasileiro de segundo grau, de primeiro grau, seria o mandato.
A democracia se fortalece com a alternância do Poder. O Tocantins tem um histórico de dominação do mesmo grupo político, isso também pode ser apontado como uma das razões do excesso de poder?
Ercílio: A hegemonia política obviamente que causa distorções do ponto de vista administrativo e todos os vícios próprios da prolongação de grupos ou de um grupo político no poder, isso é natural. Por isso que a democracia oxigena e se torna cada vez mais forte na medida em que há alternância, porque nos possibilita mecanismos de apurarmos através do voto. O voto é um instrumento fantástico, se exercido na sua plenitude, com independência, é uma arma fortíssima que vem exatamente para depurar e até mesmo quem vai ser sufragado, vai ser reeleito, começa a pensar que se eu não melhorar não vão votar em mim, então eu tenho que fazer uma gestão progressista, eu tenho que fazer com que a administração melhore, mais transparente, para que eu consiga ter esse mandato renovado ou ratificado no pleito seguinte. Então é lógico que a hegemonia causa essa distorção e não é bom para a democracia e muito menos para a administração pública.
No caso da Assembléia o que explica esse comportamento?
Ercílio: Esse mal não é só nosso esse mal viceja no Brasil inteiro. Mas uma coisa é fato. Primeiro lugar, não há por parte do parlamentar, todos os parlamentares, respeito com aquele que o sufragou. Não há porque quando o eleitor vota dá esta procuração para determinado deputado, ele não autorizou que esse deputado no outro dia mude de partido político. Ou quando se votou num deputado que representava os interesses da oposição e no outro dia esse parlamentar vai para a base governista, assim como também não apostaria que ele fosse para a oposição imediatamente. A classe política brasileira não tem este compromisso, esta fidelidade. Por parte dos eleitores também não há um comprometimento de não voltar a referendar aquele nome que mudou de partido e de posicionamento. Se não votássemos nesses políticos, pode ter certeza que a renovação da Assembléia seria muito maior, bem como do Parlamento brasileiro de forma geral. O eleitor também tem uma grande responsabilidade, vota irresponsavelmente, inclusive em pessoas que ele não tem coragem de fazer um negócio privado, não emprestaria sequer um dinheiro, mas dá um mandato para ele falar em seu nome. Então o eleitor também tem a sua parcela de responsabilidade, mas lembro que falta compromisso do eleito com aqueles que o elegeram.
A Assembléia tem aprovado leis inconstitucionais, abrindo mão de prerrogativas do poder Legislativo para agir em função de pressão do Executivo. Isso não é muito perigoso?
Ercílio: Infelizmente, ou felizmente, não sei ao certo, só tem um caminho, a única arma de que o cidadão dispõe é o voto. Sem o exercício do voto de forma responsável, vamos continuar elegendo os “Tiriricas da vida”, todo Estado tem seu “Tiririca”, mesmo que não seja palhaço, gente totalmente irresponsável com seu mandato. Enquanto não houver essa responsabilidade do eleitor, não haverá mudança. Ou que ao menos o eleitor cobre de quem ele votou. Mas a memória do eleitor brasileiro é tão ruim que, segundo as pesquisas, após seis meses ele não lembra em quem votou.
Por que os órgãos de controle não impedem a votação e a sanção de leis inconstitucionais?
Ercílio: O mecanismo de controle da constitucionalidade está na Constituição Federal, e ele pode ser feito, nós chamamos de freios e contra-freios importantes que podem ser exercidos. Do ponto de vista da ação direta de inconstitucionalidade, tão logo uma norma seja aprovada e que se entenda que ela é inconstitucional, o controle pode ser exercido em vários momentos. E não apenas no controle que se faz diretamente no Supremo Tribunal Federal, através das entidades legitimadas constitucionalmente para manejarem as ações diretas de inconstitucionalidade, como a OAB, como os partidos políticos, as associações de âmbito nacional, o Ministério Público em sua esfera própria. Enfim, há uma série de legitimados constitucionais que podem manejar isso, mas também é possível que o próprio Poder Judiciário em sede de primeiro ou segundo grau exerça esse controle quando provocado, em um determinado feito ele pode fazer esse controle de constitucionalidade, mas é preciso que as entidades legitimadas para isso exerçam também esse papel. Infelizmente, ao longo da história, as entidades que têm essa legitimidade nem sempre exercem esse direito, como é o caso dos partidos políticos, em que se o assunto não fere o interesse muito direto deles, não há o manejo desse instrumento tão importante.
Hoje a OAB vem assumindo esse papel que é seu, mas não deveria ser apenas e tão somente dela. De modo que a Ordem tem seu papel e exerce com muita desenvoltura e tranqüilidade, mas não temos condições, do ponto de vista estadual, de manejarmos perante o Conselho Federal todas as ações para fazer esse controle, quando muitos órgãos aqui deveriam fazê-lo. Repito, as normas não são privilégio nosso, também compete aos segmentos e órgãos do governo fazer com que isso não ocorra, porque o Estado, a Fazenda, é o maior litigante, o maior cliente do Poder Judiciário. E dentre esses índices tão alarmantes contribui com inúmeras leis inconstitucionais. Então é importante que o próprio governante faça um autocontrole e deixe de enviar medidas inconstitucionais, fazendo-se perguntas como para quê? por quê? qual a necessidade? Essa norma que estou enviando atende a regra constitucional? O governante deveria fazer essas perguntas básicas, elementares, que fazemos no dia a dia, escolhas que pessoa normal faz: “Isto é certo? Isto é errado? Devo ou não fazer isso?” Se assim procedesse, certamente viveríamos num ambiente muito melhor. Faltam critério e bom senso. Muitas vezes, os erros que os governantes fazem são de responsabilidade de seus assessores. Em regra, os governantes não têm formação jurídica, portanto, eles não têm pelo menos a obrigação de conhecer todos os princípios constitucionais, e às vezes tem um bom projeto, boa intenção, mas esbarra no texto constitucional, como foi o caso do helicóptero para as crianças. A intenção era ótima, porém inconstitucional. Então o que cabe ao secretário, ao assessor: alertar o gestor e dizer vamos estudar melhor essa matéria, vamos ver melhor do ponto de vista constitucional, vamos consultar o procurador-geral do Estado, os nossos assessores jurídicos mais próximos para analisarmos isso. Mas não fazem isso. Com o intuito de agradar o chefe, ou receio de desagradar, eles dizem vamos em frente. Falta talvez a grandeza, ou o tino político de quem já bateu o martelo, de dizer eu errei, estou voltando atrás, estou recuando para não cometer uma inconstitucionalidade. Mas isso também não acontece.
Seria o caso da lei que regulamentou a multa exorbitante do IPVA que passou na Assembléia e que está sendo contestada judicialmente pelos usuários?
Ercílio: Na maioria das vezes, isso acontece no governo, em empresas, porque o resultado vai beneficiá-los. É como aquela história do banco que cobra 1 real na conta do correntista indevidamente, e faz isso em 5 milhões de contas, isso dá R$ 5 milhões. Se houver reclamação de 50% destes, ele devolve R$ 2,5 milhões. Do mesmo jeito ocorre com esse tipo de atitude. Quando vai se reconhecer a inconstitucionalidade dessa norma? O Judiciário é lento, provavelmente os segmentos que poderiam propor essa medida não vão despertar o interesse, e enquanto isso vamos enchendo o cofre. O que é lamentável. Então é preciso que o cidadão vá lá. Hoje a comunicação se tornou muito rápida e extremamente socializada, chega em todos os meios, em todo o momento. É preciso que a sociedade se organize. Foi assim com a lei da Ficha Limpa, está acontecendo com o movimento de combate à corrupção, e as redes sociais podem ser usadas para esse tipo de coisa. Mas é preciso também cobrar o Ministério Público está aí e não vai lá e movimenta, não é fiscal da lei, a regra é igual pra todos, é preciso ação dos segmentos. É preciso também que os segmentos parem de agir apenas enquanto a luz dos holofotes da imprensa estejam ligados, que haja, continuamente, os instrumentos de freio e contra-freio, tem de deixar de agir apenas à luz dos holofotes. Nós dizemos que muitos segmentos fazem como a mariposa, apenas enquanto as luzes estão acesas. Quando a mídia perde o interesse, eles igualmente perdem o interesse e isso é muito ruim.
Como explicar que quase a metade dos prefeitos do Tocantins é acusada de improbidade administrativa e responde a processo?
Ercílio: Primeiro, pela responsabilidade dos eleitores, voltamos a isso, que elegeu uma safra de prefeitos como nunca antes vista. Na grande maioria das cidades se elegeu o que havia de pior. Segundo, não é defesa desses prefeitos, mas falta uma orientação, é preciso que o Tribunal de Contas passe a agir de forma educativa e não apenas punitiva e repressora. Por que se tira um gestor, tenta responsabilizá-lo, mas o dano ao erário já ocorreu, então é importante que tenhamos também a orientação ao gestor e, principalmente, orientar quem o assessora. A maioria dos deslizes que ocorreram, e que vem ocorrendo, também é por falta de orientação, ou será que podemos crer que tudo isso foi feito de maneira deliberada? Certamente não, mas isso pode e vem ocorrendo por falta de orientação, e o Tribunal de Contas não tem essa preocupação. Tornou-se um órgão fiscalizador-repressor e não busca na sua essência que é também preparar o gestor.
Então cabe ao governo estadual, ao TCE, ao Ministério Publico, se o mesmo promotor que está lá buscando combater a improbidade se no início da gestão ele se reúne ao gestor, a Câmara de Vereadores, ao secretariado e diz vou dedicar uma semana do meu precioso tempo, das 19 às 22 horas, para um treinamento sobre a natureza administrativa. Certamente estaríamos tendo menos problemas. Mas também há a má-fé, a irresponsabilidade do eleitor, elegendo pessoas que não estão preparadas para o exercício do cargo.
O Judiciário tocantinense foi abalado por um escândalo que provocou o afastamento de quatro desembargadores. Qual o reflexo desse escândalo na imagem da Justiça e na imagem do próprio Estado?
Sobre o desfecho espero que seja efetivamente passado a limpo tudo isso. O reflexo obviamente é o mais negativo possível, porque imagine qual o pensamento do cidadão que está no rincão, no interior do Tocantins, e ao ligar sua televisão vê a porta do tribunal tomada por viaturas. Que confiança ele vai ter naquele órgão que está constitucionalmente encarregado a decidir o destino dele. Então o reflexo é o mais negativo possível, mas também tem seu lado positivo se essa investigação esclarecer e punir efetivamente aqueles que forem culpados, porque também se não houver uma punição o sentimento de descrédito será muito maior. De modo que será uma mancha que carregaremos na história do Tocantins para todo o sempre. Espero que sirva de exemplo para os demais e que todos eles passem a saber que não estão imunes e que não estão acima da lei. Se eventualmente cometerem deslizes semelhantes ou qualquer outro, podem vir a ser punidos, e nós esperamos que cumpram a lei. É muito mais fácil cumprir a lei que descumprir a lei.
Para o próprio advogado, qual o prejuízo em atuar profissionalmente em um ambiente desfavorável como esse. Como o senhor avalia isso do ponto de vista do advogado?
Ercílio: O advogado fica como aquela máxima de Rui Barbosa, “daqui a pouco começa a achar que ser honesto não é bom, ou se envergonhar de ser honesto”. O advogado que milita apenas com a arma que o direito lhe assegura, que é a lei, e vê que uma ação sua que não tinha outro destino senão determinado julgamento, e que toma outro rumo por uma influência externa ou interna, fica extremamente frustrado. Mas o advogado tem que ter em mente que ele é a primeira pessoa a combater a corrupção no Judiciário, porque um fato é inexorável, não há juiz corrupto sem que tenha um advogado igualmente corrupto para fechar o elo dessa corrente. Para alguém comprar uma sentença tem de haver alguém para vender, e o cliente mais próximo é o advogado. Nessa corrupção que nós estamos tratando, da venda de sentenças, é uma chaga que mancha o Judiciário, mas também nódoa a democracia porque nós sabemos que sempre tem que ter um advogado para fechar esse elo. A prova disso é que temos (sob investigação) quatro desembargadores e sete advogados.
O exame da Ordem tem provocado polêmica, talvez por denunciar a péssima qualidade do ensino de Direito no País. Há risco de o exame cair?
Ercílio: Em primeiro lugar, tem que mudar o foco no debate quanto ao exame da Ordem. O Supremo (Tribunal Federal) já decidiu quanto a sua constitucionalidade, não cabe mais discussão. Todas as outras profissões estão buscando mecanismos legais para assim o fazer. Já existe para os profissionais da contabilidade, a medicina está caminhando a passos largos para fazer o exame de proficiência, enfermagem da mesma forma, então todas as profissões estão buscando isso. Agora, eu penso que o debate tem que ser ampliado sobre um prisma importante, a responsabilidade do Estado, o ente público, com o ensino fundamental e com o ensino médio Por que há uma total falta de compromisso com a qualidade do ensino e as pesquisas recentes do resultado do Enade vem dizendo isso para todos nós. No Tocantins não foge a regra. O que vem ocorrendo é que o aluno vem mal formado no ensino fundamental na primeira e na segunda fase, continua mal formado no ensino médio e é deformado na graduação. Então é preciso que nós socializemos essa responsabilidade. Não é possível que uma instituição de ensino jurídico, e não estou a defendê-las, muito pelo contrário, que ela também tem a sua parcela grande de culpa, mas não é possível que se transforme um aluno em cinco anos. O aluno brasileiro originário das escolas públicas está chegando à faculdade sem reunir capacidade mínima interpretativa. Ele lê um texto e não sabe o que está escrito, o que resulta daí? Como vamos pegar um analfabeto funcional e transformá-lo num profissional habilitado em cinco anos? E provo isso com dados simples, pegando Palmas, como exemplo. Qual a universidade que mais aprova no exame de ordem? A Universidade Federal do Tocantins, pergunto-lhe, os professores que dão aulas na UFT não são os mesmos que dão aulas nas universidades particulares em Palmas? Ele sofre uma transmutação quando sai dos portões da UFT e passa a ser menos professor do que é na UFT? Logicamente que não. A diferença do resultado da Federal, que inclusive vem com problemas seriíssimos de remuneração de todos os seus quadros e corpo docente, com greves que se prolongaram por meses a fio, mas porque ela tem um resultado melhor? Porque ela recebe um aluno com melhor qualidade. O filtro que ela tem é mais eficiente que das outras. Enquanto as faculdades particulares estão com concorrência negativa, tem mais vagas que concorrentes na grande maioria, a Federal tem 40 candidatos por vaga. Portanto, ela faz a seleção e recebe os alunos originários das melhores escolas particulares do ensino fundamental na primeira e segunda fases, do ensino médio tem esses alunos que são egressos das melhores escolas particulares do Estado ou até de outras unidades da federação. Com raríssimas exceções entra na Federal um aluno egresso da escola pública. Penso que deve ser atribuído sim a responsabilidade as faculdades porque nós temos muito caça-níqueis no Brasil inteiro, um número excessivo de faculdades. Temos cinco vezes mais faculdades do que a maioria dos países europeus, do que os países desenvolvidos da América. Mas é preciso que o Estado seja chamado também a responsabilidade, ele remunera mal o professor, não investe na formação continuada do professor, não investe nas condições físicas, e isso resulta nessa deformação. O aluno que não tem, repito, capacidade interpretativa vai passar pela faculdade e será reprovado no exame de Ordem. A prova disso é que o maior sucesso de empreendimento hoje no Brasil são os cursinhos, seja para o exame de Ordem e para todos os concursos públicos no Brasil. Hoje é um nicho de mercado maravilhoso, ou seja, está se transferindo para uma pós-graduação aquilo que deveria ser feito em toda a vida acadêmica do estudante.
Nós temos eleição no próximo ano, qual seu recado para eleitores e candidatos?
Ercílio: O eleitor tem que agir com a mesma responsabilidade com que ele age na vida privada. Que escolha as pessoas com quem vai fazer negócios na vida privada. Ele seleciona, não negocia com a pessoa que tem a fama de mau pagador. Ninguém, pelo menos conscientemente, vai vender para quem tem fama de não pagar, ninguém vai querer morar perto de um mau vizinho. Então ele tem que agir com essa mesma responsabilidade. O eleitor tem que fazer uma pergunta, essa pessoa serve para conviver com a minha família? Eu poderia fazer negócios com essa pessoa, se eu tivesse dinheiro eu emprestaria para esse cidadão ou esta cidadã? Se qualquer resposta que ele fizer a for negativa, não pode ser irresponsável suficiente para votar nesse candidato. Esse é o espírito da lei da Ficha Limpa, as pessoas têm que ter passado, porque o passado é o reflexo do seu futuro, e ao político ele também tem que ter essa consciência cívica de que ele é um mero gestor, é passageiro, e que a missão que o eleitor lhe confia tem prazo de validade e que se ele quiser renovar essa validade tem que ser sério, honesto, transparente. É esse o grande mote que a sociedade brasileira vai ter porque quando isso for praticando, democracia é assim, quando for praticando, voto a gente treina votando, igual jogo de futebol. O eleitor tem que treinar até o dia que acertar no voto e esperamos obviamente que aqueles que estão dispostos a dirigir o destino dos 139 municípios do Tocantins pensem, sobretudo, nisso.
Que balanço que o senhor faz do movimento Ética nas Eleições, coordenado pela OAB?
Ercílio: A Ordem vem ao longo dos últimos processos eleitorais pregando o movimento ética nas eleições. Isso está vivendo um grande momento quando conseguimos aprovar a Lei da Ficha Limpa. Então evoluímos bastante e esperamos que o Supremo serenize os debates e dê todos os indicativos para que isso ocorra. Tenho a absoluta convicção que a Ordem, com a sociedade, com os organismos da sociedade, com a fundamental participação da imprensa, e a imprensa é fundamental porque traz a crítica, mas tem a visão dos fatos e às vezes a visão antecipada dos fatos. Então se for exercido com seriedade, nós vamos caminhar muito e esperamos que nesse processo eleitoral, que é mais fácil de você agir porque ele é focado nos municípios, as denúncias e os interesses batem de forma direta. Esperamos que o eleitor denuncie, que o Ministério Público aja efetivamente no combate às irregularidades. Todo esse conjunto de forças dos segmentos organizados da sociedade, a imprensa, podemos de forma independente, transparente, contribuir para que o processo eleitoral seja o mais limpo possível. Se o processo eleitoral for mais limpo obviamente a escolha tende a ser melhor.
Fonte: Ruy Bucar/Jornal Opção