O CSI do estado americano do Missouri não teve dificuldades em apurar as causas de um grande engavetamento ocorrido em agosto do ano passado. O acidente envolveu uma caminhonete, um caminhão e dois ônibus escolares, matou duas pessoas e deixou 38 feridas. A memória do celular do motorista da caminhonete, um rapaz de 19 anos, registrava que ele havia enviado e recebido onze mensagens de texto nos onze minutos anteriores ao desastre – a última delas frações de segundo antes do choque com o caminhão, que tinha reduzido a velocidade devido à obra na pista.
O impacto do acidente, amplificado pela quantidade de escolares entre as vítimas, deu início a uma investigação oficial. Como resultado, na semana passada, o Conselho Americano de Segurança dos Transportes expediu uma recomendação drástica: proibir totalmente a utilização pelos motoristas de aparelhos eletrônicos portáteis de uso pessoal (emenda-se celular, iPod e todo tipo de dispositivo eletrônico com interatividade). Uma das sugestões é a instalação de equipamento similar ao existente nas prisões e que bloqueie o sinal do telefone dentro dos carros. A recomendação levou em consideração não apenas o acidente do Missouri, mas as 3 000 pessoas mortas em rodovias americanas no ano passado em acidentes cuja causa comprovada foi à distração do condutor do veículo – e um dos principais motivos de distração ao volante é exatamente o telefone.
Uma demonstração inesperada desse fato foi a redução de 40% no número de acidentes em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, durante os três dias em que os aparelhos BlackBerry estiveram fora do ar, em outubro deste ano.
Hoje, 35 estados americanos já proíbem expressamente o envio e o recebimento de mensagens de texto ao volante. Destes, dez também proíbem o uso do celular, mas permitem a utilização de aparelhos com funções de viva-voz. Pelo menos trinta países limitam o uso de telefone ao volante. Alguns, como Portugal, o baniram completamente, incluindo o viva-voz. Outros, como a Alemanha, permitem a utilização se não for preciso usar as mãos. O Código de Trânsito Brasileiro proíbe o uso do celular e o envio de mensagens de texto, mas não prevê o uso das chamadas tecnologias hands-free. No Brasil, metade dos 126 000 acidentes ocorridos nas rodovias federais em 2010 foi causada por falta de atenção do motorista. "Uma grande parcela desses acidentes foi ocasionada pelo uso do celular ao volante", diz o inspetor Stênio Pires, chefe do núcleo de estatística da Polícia Rodoviária Federal. O número de autuações por uso de telefone celular em rodovias federais aumentou 150% nos últimos cinco anos.
Um teste feito pela PRF no Ceará mostrou que motoristas ao celular tiveram um tempo de reação igual ao de motoristas bêbados. Os piores tempos foram feitos por quem estava escrevendo mensagens de texto. Um relatório preparado pela Organização Mundial de Saúde reuniu as principais pesquisas sobre os efeitos do uso das mensagens de texto ao volante. Quando os motoristas recebem ou enviam mensagens de texto, o tempo médio em que eles normalmente tiram os olhos da pista aumenta em 400%; eles invadem 28% a mais as faixas de rolagem e fazem 140% mais conversões incorretas; eles passam a dirigir de forma inconstante, aumentando ou reduzindo a velocidade do veículo sem necessidade.
A certeza de que a interatividade é um perigo ao volante cria um dilema para os fabricantes de automóveis: como equipar os veículos com conectividade sem causar mais distração ao volante? Em termos técnicos, é considerada distração qualquer ação que leve o motorista a tirar os olhos da estrada por mais de dois segundos. O celular é um vilão óbvio, mas não o único. A variedade de informações disponíveis, como a rota indicada pelo GPS, tornou o painel do carro uma fonte de distração. Disse o americano Tom Seder, diretor de pesquisa e desenvolvimento da General Motors: "É um caminho sem volta. Se hoje já é possível conectar o smartphone ao veículo, no futuro a internet estará em todos os carros. Mas é preciso cuidado. Existe uma pressão dos consumidores para que o carro incorpore toda novidade eletrônica que aparece. A interatividade homem-máquina de muitos equipamentos não se mostra viável devido a questões de segurança".
Fonte: Veja Edição Ed. 2248