Lidiane Leite, 25, é suspeita de desviar milhões em verbas da educação. Ela se entregou no começo da tarde desta segunda-feira (28).
Depois de passar 39 dias foragida da Justiça, a prefeita afastada de Bom Jardim (MA), Lidiane Leite da Silva, de 25 anos, se apresentou na sede da Superintendência da Polícia Federal (PF), em São Luís, capital do estado, nesta segunda-feira (28). Ela chegou na sede da PF às 13h e até as 19h30 ainda era ouvida pelos policiais.
Lidiane havia sumido após sua prisão ter sido decretada na Operação Éden, que investiga desvios de verbas da educação. O seu estilo de vida após a eleição começou a chamar a atenção, com as fotos que Lidiane colocava nas redes sociais ostentando uma vida de luxo, com viagens, festas e roupas caras.
Acompanhada por três advogados, Lidiane chegou à sede da PF e entrou pelos fundos. Ela apareceu vestida com blusa e calça pretas e com poucas mudanças no visual. Está aparentemente abatida, mas continua loira e manteve o mesmo corte de cabelo.
O superintendente da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, havia anunciado que Lidiane não teria regalias ou privilégios, mas no dia 25 de setembro, o juiz da 2ª Vara da Justiça Federal, José Magno Linhares, em atendimento a pedido de relaxamento de prisão apresentado pela defesa, determinou que ela fosse recolhida ao quartel do Corpo de Bombeiros.
O magistrado explicou que a medida adotada teve a intenção de garantir a integridade física da investigada, diante da notoriedade e da proporção da repercussão que ganhou o caso.
“Quanto ao questionamento acerca da decisão que determinou o recolhimento da investigada Lidiane Leite da Silva ao quartel do Corpo de Bombeiros desta capital, [...] esclareço que se trata de medida que visa resguardar a integridade física da investigada, diante da notoriedade e da proporção da repercussão que o caso ganhou, não se tratando, de forma alguma, de concessão de privilégio à ex-prefeita, mas sim de medida de cautela e prudência, diante do caso concreto”, afirmou.
O superintendente evitou comentar a decisão da Justiça. "Não cabe à Polícia Federal contestar. Nós respeitamos as decisões judiciais e as cumprimos. A Polícia Federal fez a sua parte: instaurou o inquérito, investigou, descobriu autoria, a materialidade e em razão do nosso trabalho ela se entregou", explicou.
Foragida
Um dos advogados da prefeita afastada, Sérgio Muniz, disse que ela não saiu da cidade.
"A Lidiane sempre esteve em Bom Jardim, que é o oitavo maior município do Maranhão e que, por isso, não precisava estar dentro da prefeitura para gerir o município. Um dia antes da decisão do seu afastamento pela Justiça, ela realizou o pagamento de servidores municipais e fornecedores", afirmou.
O delegado Ronildo Lajes, que é o responsável pelo inquérito, confirmou que Lidiane estava foragida e descartou que ela estivesse escondida todo esse tempo no município de Bom Jardim.
"As diligências foram feitas sim na cidade e no interior de Bom Jardim, mas é claro que o advogado está no papel dele de tentar amenizar as coisas para a investigada. De fato ela estava foragida e não tem como alguém afirmar que ela estava governando em Bom Jardim", disse.
Comunicação
Ainda segundo Lajes, Lidiane estava sendo orientada a não usar qualquer meio eletrônico para se comunicar com os familiares, o que dificultou a localização dela.
"A gente tinha notícias do paradeiro dela, por isso a nossa certeza que ela estava sendo ajudada por alguém que a orientava a não usar meio eletrônicos para falar com familiares. Nós temos algumas informações sobre essas pessoas, mas isto não é oportuno divulgar neste momento".
Lidiane vai ser ouvida e depois será levada ao Instituto Médico Legal (IML) para realizar exame de corpo de delito. Após os procedimentos, ela deve ser encaminhada para o quartel do Corpo de Bombeiros de São Luís, onde permanecerá à disposição da Justiça.
Cerco
O nome de Lidiane não chegou a ser incluído na lista vermelha da Interpol (a polícia internacional), como a PF havia anunciado no mês passado.
O cerco para capturá-la contou com o reforço da vigilância nas rodoviárias e aeroportos do Maranhão. O superintendente da PF chegou a anunciar que quem ajudasse a prefeita a se esconder seria incluído como participante de organização criminosa.
Prazo de 72 horas
Na última sexta-feira (25), o juiz da 2ª Vara do Tribunal Regional Federal (TRF), José Magno Linhares, havia estipulado o prazo de 72 horas para que a prefeita afastada de Bom Jardim se entregasse.
O magistrado entendeu que Lidiane Leite tinha interesse em se apresentar à Justiça para “prestar os esclarecimentos necessários à elucidação dos fatos”.
A decisão foi tomada após a apresentação de um pedido de revogação da prisão preventiva de Lidiane Leite, que foi feito pelo advogado de Antônio Gomes da Silva, ex-secretário de Agricultura do município.
Ex-secretários em liberdade
Suspeitos de participar dos desvios em Bom Jardim, o ex-secretário de Assuntos Políticos de Bom Jardim, Humberto Dantas dos Santos, conhecido como Beto Rocha, e o ex-secretário Antônio Gomes da Silva tiveram a prisão preventiva revogada pelo Tribunal Regional Federal na última sexta-feira.
Beto Rocha era namorado da prefeita e foi preso no dia 20 de agosto pela PF.
O juiz José Magno entendeu que os dois suspeitos não têm como “dar continuidade às práticas supostamente delituosas, ligadas ao desvio de verbas públicas transferidas à municipalidade”, segundo trecho da decisão publicada.
Vice assumiu
No início de setembro, a Câmara Municipal de Bom Jardim cassou o mandato de Lidiane Leite, após ela se ausentar da cidade por mais de 15 dias sem a autorização dos vereadores.
A Casa então empossou a vice-prefeita, Malrinete Gralhada, que já havia assumido o cargo interinamente, no dia 28 de agosto.
O Ministério Público pediu, por meio de duas ações civis públicas por improbidade adminstrativa, a indisponibilidade dos bens e o afastamento de Lidiane.
Também foram denunciados o ex-secretário de Assuntos Políticos, Beto Rocha, os empresários Antônio Oliveira da Silva e Karla Maria Rocha Cutrim, da Zabar Produções (empresa contratada para reformar escolas), além do contador e pregoeiro do município Marcos Fae Ferreira França.
Quem reapareceu em um caso de desvios de verbas públicas foi o empresário Fabiano de Carvalho Bezerra, envolvido em esquema de corrupção na Prefeitura de Anajatuba (MA), denunciado pelo quadro "Cadê o Dinheiro Que Tava Aqui?", do Fantástico.
Também aparecem nas denúncias o empresário Raimundo Nonato Silva Abreu Júnior e o motoboy Nilson Araújo Rodrigues.
Ação do MP mostra que a empresa Zabar Produções obteve R$ 1.377.299,77 em licitação na modalidade tomada de preços para a reforma de 13 escolas municipais. O dono da Zabar afirmou, em depoimento à promotoria, que os valores recebidos pelo contrato eram repassados para a conta pessoal de Beto Rocha, que se encarregava de contratar os funcionários para as supostas reformas das escolas. Ele garantiu que quatro escolas chegaram a ter reformas.
A promotora Karina Freitas Chaves afirma que a "A4 Serviços e Entretenimento Ltda" é uma empresa de fachada, pois não há registros de uma sede ou de veículos. A empresa teria vencido licitação para locação de veículos na modalidade pregão presencial, no valor R$ 2.788.446,67.
Origem humilde
Antes de se tornar prefeita por acaso e passar a ostentar uma vida de luxo nas redes sociais, Lidiane vendia leite na porta da casa da mãe para sobreviver. Ela viu sua vida mudar após iniciar um namoro com o fazendeiro Beto Rocha, que possui patrimônio em torno de R$ 14 milhões.
Em 2012, o empresário foi candidato a prefeito, mas teve a candidatura impugnada e lançou a namorada pelo PRB. Lidiane acabou eleita com 50,2% dos votos válidos (9.575) frente ao principal adversário, o médico Dr. Francisco (PMDB), que obteve 48,7% (9.289).
Prefeita ostentação
Após a eleição, Lidiane começou a ostentar nas redes sociais uma vida de luxo, com viagens, festas, roupas caras, veículos e passeios. "Eu compro é que eu quiser. Gasto sim com o que eu quero. Tô nem aí pra o que achem. Beijinho no ombro pros recalcados", comentou na internet.
Em outro post, ela disse: "Devia era comprar um carro mais luxuoso pq graças a Deus o dinheiro ta sobrando (sic)".
Antes da repercussão das denúncias de desvios de verbas da educação, a prefeita já havia sido afastada do cargo três vezes. Com as investigações e a prisão decretada, ela ficou sem partido.
Tanto o Partido Republicano Brasileiro (PRB), pelo qual ela se candidatou e se elegeu prefeita em 2012, quanto o Partido Progressista (PP), ao qual anunciou filiação em julho deste ano, negaram que gestora municipal esteja filiada a eles.
Mais denúncias
Na primeira semana de setembro, a nova administração do município de Bom Jardim começou a divulgar os resultados da auditoria que está sendo realizada nas contas do município.
A apuração chegou a uma fraude em recursos destinados ao setor responsável pelo programa Bolsa Família, do governo federal.
Os auditores afirmam ter descoberto um esquema de desvio de dinheiro público na Secretaria de Assistência Social de Bom Jardim. Conforme levantamento, a secretaria gastou mais de R$ 1 milhão com o pagamento de diárias.
Documentos, depoimentos de servidores e extratos bancários reforçam a denúncia. Ainda de acordo com a comissão, pelo menos 20 funcionários de todos os níveis, dentro da Assistência Social, receberam as diárias.
Bom Jardim
A cidade tem população estimada em 40.405, segundo o site do IBGE, e fica no Vale do Pindaré, na região oeste do Maranhão.
Com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,538, ocupa a 175ª posição no ranking da Organização das Nações Unidas (ONU), que analisa o acesso à educação, renda e expectativa de vida.
É considerada a segunda pior cidade para se viver no Vale do Pindaré, composto por 22 outros municípios. Após os escândalos envolvendo a prefeita da cidade, parte da população foi às ruas protestar pelo fim da corrupção.