Professora com câncer e grávida de siameses lutam pela vida na capital. Eles têm de driblar fatores como a saudade da família e a insegurança.
Pacientes de vários estados e cidades do interior buscam tratamento médico na rede pública de saúde em Goiânia. Como alguns casos exigem uma terapia longa, eles acabam se mudando para a capital goiana e têm que se adaptar a uma nova realidade, na maioria das vezes, distante das famílias.
Entre os forasteiros está a professora Maria Aparecida Rego Moura Alencar, de 39 anos. Ela levou um choque ao descobrir que estava com câncer no útero e no ovário, em agosto de 2013. Moradora de Jaborandi, na Bahia, ela foi orientada por médicos a procurar um centro de referência, já que na cidade esse serviço não é oferecido. "Como minha irmã já morava aqui e nós conhecíamos a referência do Hospital Araújo Jorge no tratamento de câncer, viemos para Goiânia", contou.
A busca pela cura a obrigou a se mudar de uma cidade do interior baiano para a capital goiana, entrar de licença médica no trabalho e viver longe do marido, o professor Ademilton de Almeida Alencar, de 36, e dos filhos, um menino e uma menina que, atualmente, possuem 13 e 8 anos.
"No começo, foi mais difícil pra eles entenderem, mas agora eles compreendem. Nós sentimos muita saudade. É difícil, mas é uma questão de saúde", pondera Maria Aparecida, que mora no apartamento da irmã Isabel de Moura Ramos, de 30 anos.
Dois meses após a descoberta do câncer, ela conseguiu, por intermédio da Prefeitura de Jaborandi, a cirugia para a esterectomia total no Hospital Araújo Jorge. Os médicos constataram que células malignas não invadiram outros órgãos e, por isso, a quimioterapia não foi necessária.
Mesmo após a operação, a professora precisou ficar na capital para acompanhamento. O marido e os filhos vêm visitá-la pelo menos uma vez por mês. Em julho deste ano, ela descobriu um novo câncer, desta vez no peritônio: “Foi um choque, fiquei emocionalmente muito abalada”.
Corrida contra o tempo
Logo após o diagnóstico, em questão de dias, a professora acumulou 8,8 litros de líquido na barriga. Apesar da situação, ela teve de enfrentar a burocracia para provar que estava morando em Goiânia. Para iniciar a quimioterapia ela precisava de uma tomografia abdominal, mas só tinha vaga para fazê-la no hospital em outubro.
Maria Aparecida teve de pagar pelo exame para tentar adiantar a quimioterapia. “Não estava aguentando mais de dor, não conseguia comer mais porque o meu estômago estava comprimindo pela acite. Era uma questão de sobrevivência, uma corrida contra o tempo”, contou a paciente, que emagreceu quase 10 kg na época, mas ficou inchada.
A professora deu entrada na emergência do Hospital Araújo Jorge e mostrou os exames. A Junta Médica da unidade de saúde analisou o caso e deu parecer positivo para iniciar a quimioterapia. Os médicos retiraram o líquido acumulado e, no dia 17 de julho, realizaram a primeira sessão.
“Já fiz cinco sessões de quimioterapia. Graças a Deus, tive condições de pagar pelos exames. Se não tivesse pagado, talvez hoje eu estaria passando pela primeira sessão, isso se eu tivesse conseguido chegar até aqui”, observa a paciente.
A professora terá de estender sua estadia em Goiânia além do que havia previsto. O marido, que vêm sempre quando a mulher faz as sessões de quimioterapia, não descarta se mudar com os filhos para a capital, pois “viver à distância é difícil”.
Enquanto isso não acontece, Maria conta com a companhia e apoio diário da irmã e do marido dela. “Foi difícil para tirá-la da cama. Foi sofrido vê-la nessa situação complicada, mas buscamos todo o apoio espiritual possível”, disse Isabel. Maria tem mais três sessões de quimioterapia pela frente.
Siameses
Mais repentina ainda foi a mudança do casal Ana Angélica da Almeida dos Santos, de 32 anos, e do marido, o carpinteiro Rodrigo Paiva da Cruz, de 33. Ao descobrir na 14ª semana de gestação que estava grávida de gêmeos siameses, ela se surpreendeu. Os médicos disseram que “não tinha perspectiva de vida” para os bebês. “Foi uma tortura”, recorda-se Ana Angélica.
Os médicos orientaram os pais a procurar um hospital especializado no parto e separação dos bebês. Após muita luta, eles conseguiram encaminhamento da Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins para o Hospital Materno Infantil (HMI). Referência nacional no atendimento a siameses, a unidade já recebeu 31 famílias, sendo a separação de Maria Clara e Maria Eduarda a última.
O casal enfrentou mais de 12 horas de ônibus de Miracema do Tocantins para chegar à capital goiana, em 18 de agosto. Durante a consulta, a médica proibiu que Ana Angélica voltasse para o Tocantins. Assim, a vendedora e o marido tiveram que se estabelecer na capital com as poucas roupas que tinham trazido na mala. Eles sobrevivem com R$ 24 por dia fornecido pelo governo do Tocantis.
A mudança repentina também foi uma surpresa para a família do casal. Ana Angélica tem uma filha de 9 anos, que teve de se mudar para a casa do pai enquanto a mãe fica em Goiânia. Com muita ansiedade, o casal espera a chegada dos gêmeos Enzo e Joaquim no próximo dia 28. “É uma missão que recebemos. É complicado estar longe de casa, mas é uma luta por duas vidas”, conclui Rodrigo.
Síndrome do lobisomem
Também é do Tocantins a família de Kemilly Vitória, de 4 anos, que foi diagnosticada com hipertricose lanuginosa, também conhecida como "síndrome do lobisomem". Genética e hereditária, a doença faz com que a menina tenha uma quantidade de pelos acima do normal.
Após vários exames e terapias sem sucesso, em novembro de 2013, os pais da menina saíram de Augustinópolis para Goiânia em busca de tratamento para a filha, que só não apresentava pelugem nos pés e nas palmas das mãos. O caso ganhou repercussão e muitas pessoas resolveram ajudar a família, como o cirurgião pediátrico Zacharias Calil.
O médico informou que o HMI conta com um equipamento, usado em casos especiais, que realiza depilação a laser pelo SUS. Menos de um mês depois, em 5 de dezembro de 2013 ela passou pela primeira sessão de laserterapia.
A família precisava viajar cerca de 25 horas de Augustinópolis até a capital goiana para a terapia, que era realizada a cada 15 dias. Depois de tentar, sem sucesso, que o governo do estado natal pagasse pelas passagens aéreas, os pais optaram por se mudar para Goiânia em abril do ano passado.
Insegurança
Eles tiveram que abrir mão da casa própria para pagar aluguel em Goiânia, além de aceitar viver longe dos familiares. Pai de Kemilly Vitória, o eletricista Antônio de Souza, 36 anos, também teve que deixar o emprego, mas logo após a mudança, conseguiu um trabalho na capital.
Neste ano, a família conseguiu comprar uma casa no Setor Parque Balneário. Além disso, Kemilly começou a estudar em um Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei), onde fez amigos e amenizou a saudade das primas. “Gosto de ir pra escola, de pintar e tenho duas amiguinhas”, conta Kemilly. O pai afirma que “foi muito difícil no começo, mas está se acostumando”.
Mãe da menina, Patrícia Batista Pereira, de 25 anos, conta que a rotina na capital, com cerca de 1,4 milhão de habitantes, é bem diferente de Augustinópolis, com pouco mais de 15 mil. A insegurança faz com que a família quase não saia de casa. “A liberdade a gente não tem, esses dias mataram dois aqui perto de casa, foi horrível. A gente sai pouco, não tem como sair à noite, é perigoso e não temos parentes para visitar”, lamenta.
Apesar de a família não ter dificuldade para conseguir procedimentos em Goiânia, muitas pessoas não recebem o mesmo atendimento. "Eu vejo um tanto te gente daqui mesmo ou do Maranhão e do Tocantins que vem para se cuidar e não consegue", pondera o eletricista.
O casal está estabelecido na capital, mas não se hesita a mudar caso o tratamento da menina seja interrompido. Atualmente, ela passa pela laserterapia no HMI e em uma clínica particular. No total, já foram mais de 30 sessões. “Esse tratamento é custoso demais. Está há dois meses sem sessão, quanto mais demora, mais volta”, reclama Antônio.
Responsável pelo tratamento no HMI, Zacharia Calil explicou que é preciso ter paciência e uma sessão está marcada para o fim do mês. Ele ressaltou que o resultado do tratamento, até então, é acima do esperado.
"Nós retiramos 100% e conseguimos um resultado de eliminar mais de 40% em definitivo, voltou com menor força. No rosto dela o resultado é fantástico. O pelo ficou mais fino e com isso ele perde força, daqui para diante o resultado vai ser melhor", disse o médico.