Superação e transformação. Se fôssemos simplificar o conceito da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com certeza essas duas palavras apareceriam. Superar o tempo perdido de estudo e transformar sua vida, agregando conhecimento, conquistar o tão sonhado e necessário diploma, prestar um vestibular, crescer profissionalmente.
As aspirações de quem volta a estudar depois de anos fora das salas de aula são diversas. Mas e se, além de tudo isso, a escola fomentasse a descoberta de talentos? E se, ao invés de meros estudantes, eles fossem agentes do próprio aprendizado tendo contato com as linguagens artísticas? O Projeto Sesc em Cena foi além do básico e conseguiu reunir tudo isso. Quer conferir? Nesta quinta e sexta-feira, às 20h, no Teatro Sesc Palmas, os alunos da EJA vão mostrar como a mistura entre arte e educação dá certo.
A metodologia do Projeto Sesc em Cena é simples. A cada ano, um tema é escolhido, sempre de acordo com os conteúdos abordados. A ideia é que os alunos criem uma peça teatral relacionada com o tema estudado. Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna, Vinicius de Moraes e Geraldo Vandré e sua canção símbolo da ditadura já foram trabalhados. Neste ano, os 86 alunos matriculados trabalham com a cultura dos povos indígenas e a intolerância que os índios ainda sofrem. Todas as etapas da peça são feitas pelos estudantes através de oficinas. Eles se dividem por critérios de afinidade e são responsáveis por cenografia, teatro, dança, making of e iluminação.
"Para nós, o espetáculo é o momento em que se culmina um longo e rico processo de aprendizagens de conceitos, procedimentos, habilidades, atitudes, de relações entre os pares. Ele é muito mais que um projeto de arte, é um projeto de mudança de vida dos nossos alunos da EJA”, comenta a coordenadora de Educação do Sesc Tocantins, Kelma Oliveira.
“Os alunos acabam descobrindo habilidades inatas. E ao final do projeto é comum se interessarem por estudar teatro, música, dança, iluminação. Temos ex-aluno estudando teatro no Rio de Janeiro”, pontua a orientadora pedagógica da EJA, Wilmar Libério.
Nesta semana, durante 45 minutos, eles vão encenar um pouco da rica cultura indígena, cenas de preconceito e de alguns fatos tristes, como a morte do índio Galdino, queimado em Brasília no ano de 1997, quando dormia em um ponto de ônibus. Apresentações musicais também fazem parte do espetáculo.
Intolerância
A temática deste ano foi escolhida no fim de 2014. No início do ano letivo, cogitou-se que fosse trocado o assunto devido à resistência dos participantes. “A gente ouvia brincadeiras e comentários por parte de alguns alunos, aquelas coisas que eles ouviam na infância sobre índios. Mas nosso objetivo era desmistificar esse preconceito e seguimos com a temática. Hoje, tudo mudou. Eles falam dos povos indígenas com respeito, até porque os conheceram de verdade. Nós cumprimos nossa missão”, complementa Wilmar.
A resistência era tão representativa que até uma aluna, descendente de índios da região do Pará, tinha receio de se manifestar. “Sou descendente de índios da etnia Guajá. Ser índio ou descendente não é fácil nesse mundo que vivemos rodeado de preconceito. Quando iniciamos os estudos fiquei muito triste porque pensei logo: ‘lá vem o preconceito’. No início foi difícil porque ouvia coisas como: ‘índios são preguiçosos’, ‘índio ganha dinheiro do governo sem trabalhar’, ‘esses índios têm que morrer tudo’, isso me deixava muito triste, e às vezes negava a minha etnia, porque muitas vezes as pessoas falavam só para julgar, sem conhecer. Mas depois dos estudos, pesquisas, discussões isso melhorou muito! Percebo mais respeito com o meu povo. A escola nos proporcionou aula-campo nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas e eu não perdi a oportunidade de ir. Senti-me em casa novamente, uma sensação muito boa de sentir o calor, o cheiro do meu povo! E hoje não tenho vergonha de dizer: Sou índia!”, declara Diana Paixão Guarins.
História
Desenvolvido desde 2007 por educadores da EJA do Sesc em Palmas, o movimento educacional surgiu em meio a uma proposta de reestruturação do currículo de forma que estivesse a serviço das aprendizagens não somente conceituais, mas também procedimentais e atitudinais em todas as áreas de conhecimento. Nesse momento a arte surgiu como um caminho de possibilidades, já que a escola do Sesc fica dentro do Centro de Atividades, local que respira teatro, literatura, cultura, etc.
Assim estava criado o Sararte. Alunos e convidados manifestavam seus gostos e interesses a partir de uma temática central que envolvia todas as formas de expressão. Ao final do ano as apresentações eram realizadas e o que se viu era que a combinação arte e educação dava certo. O projeto precisava crescer, mas não para formar artistas, e sim para formar sujeitos criativos, críticos, com autoestima elevada e com ampliação do repertório cultural. Há seis anos, surgia o Sesc em Cena que até hoje ajuda no crescimento educacional e cultural dos alunos da EJA.