Família mora no Tocantins e viagem de ônibus até a capital dura 25 horas. Kemilly tem 'síndrome do lobisomem' e faz laserterapia de 15 em 15 dias.
A menina Kemilly Vitória Pereira de Souza, de 2 anos e 9 meses, que tem o corpo coberto de pelos, passou pela quinta sessão de laserterapia na quinta-feira (20) no Hospital Materno Infantil (HMI), em Goiânia. A aplicação foi feita na perna direita, no tórax e feitos retoques no rosto. Os pais dizem que ela está cada vez mais feliz com os resultados, mas que está difícil continuar o tratamento. “O nosso maior problema é o transporte, já que a viagem de ônibus leva 25 horas. Vamos acabar mudando para Goiânia”, disse o pai da menina, o eletricista Antônio de Souza, 34 anos.
A família mora em Augustinópolis (TO). Para as sessões de laserterapia, eles viajam de 15 em 15 dias para a capital goiana. Antônio diz que já perdeu as contas de quantas vezes tentou conseguir passagens aéreas com a Secretaria de Saúde do Tocantins. “Eles sempre recusam os laudos, alegam que o médico não especificou direito. Mas eles estão cansados de saber que ela fica com a pele sensível após o tratamento e a viagem longa é muito traumática. Mesmo assim, não se importam”, desabafou.
Kemilly foi diagnosticada com uma doença genética e hereditária chamada hipertricose lanuginosa, também conhecida como "síndrome do lobisomem", que a faz ter uma quantidade de pelos no corpo acima do considerado normal. Após dois anos buscando tratamento, os pais conseguiram a laserterapia no Hospital Materno Infantil.
Desta vez, a família viajou de avião até a capital, pois as passagens foram doadas por um conhecido. “Muita gente tem nos ajudado, mas não dá para continuarmos assim. Antes de toda sessão, eu tenho que ligar para Deus e o mundo para pedir ajuda. Se o governo do Tocantins nos ajudasse, ficaria tudo resolvido. Mas como já vi que não tem jeito mesmo, vou começar a planejar a mudança definitiva para Goiânia”, explicou Antônio.
Procurada, a Secretaria de Saúde do Tocantins (Sesau) informou, em nota, que a última solicitação assinada pelo cirurgião Zacharias Calil, responsável pelo tratamento da Kemilly, não atendeu aos requisitos previstos na Portaria/SAS/Nº 055/99, já que não foram apresentados laudos e exames que sustentem a necessidade do transporte aéreo.
A secretaria ressalta que a portaria “deixa claro que a autorização de transporte aéreo para pacientes e acompanhantes será precedida de rigorosa análise dos gestores do Sistema Único de Saúde”. Com isso, reforça que o pedido médico não traz argumentos que justifiquem legalmente a troca do meio de transporte da paciente.
O médico Zacharias Calil rebateu as alegações da Secretaria e disse que a secretaria faz o possível para negar os pedidos. “Como médico, já deixei claro que o transporte aéreo vai dar mais conforto para a criança, que fará um tratamento longo, de pelo menos dois anos. Toda vez eles pedem outro documento e assim vai. Até por isso já estou recusando atender pacientes daquele estado, pois a burocracia é sempre grande”, afirmou o médico.
Ele ressalta que, como a pele da menina fica sensível após a laserterapia, ela não pode ficar exposta ao sol. “Como é que vão protegê-la viajando 25 horas em um ônibus? Por isso, sinceramente, até acho justo que os pais mudem para Goiânia, pois aqui terão um auxílio maior”, ressaltou.
Para tentar conseguir as passagens aéreas, a família recorreu ao Ministério Público Federal (MPF) do Tocantins para que seja aberta uma ação civil pública. “Já que o governo não quer ajudar por conta própria, decidimos procurar a Justiça. Mesmo assim, não estou com fé de que isso vai se resolver logo. E a nossa situação é urgente, pois logo mais virá outra sessão e o nosso drama volta novamente”, afirmou Antônio.
Mudança
O pai trabalha em uma indústria em Augustinópolis, onde ganha cerca de R$ 1 mil. Ele diz que vai tentar conversar para ser demitido. “Não tenho condições de abandonar tudo lá e mudar para Goiânia. Mas estou sendo obrigado, já que o tratamento dele é muito importante. Por isso, peço que quem puder, me ajude a conseguir um emprego por aqui em Goiânia. Só assim terei condições de cuidar da minha família”, pediu o eletricista.
A mãe de Kemilly, a dona de casa Patrícia Batista Pereira, 22 anos, chora ao falar sobre a mudança. “Eu não queria isso, pois toda a nossa família está em Augustinópolis e temo que minha filha sofra com a nova rotina, longe das primas. Mas se essa é a única forma de dar uma qualidade de vida para ela, vou encarar”, disse.
Patrícia diz que, além de uma casa para morar, também se preocupa com as mobílias. “Nossa casa é muito simples e meus móveis estão caindo aos pedaços. Não temos nem condições de pagar um carreto de lá para cá. Então, não sei como vamos conseguir nos erguer em Goiânia. Se meu marido conseguir um emprego, já será uma luz”, destaca.
A mãe diz que, apesar das dificuldades, fará o possível para manter o tratamento da filha. “Ela é outra criança hoje em dia. Já não tem mais vergonha de sair na rua, as pessoas a reconhecem e vêm falar com ela. Aquele preconceito que a gente sofria acabou. Por isso, vamos continuar até o fim”, ressaltou a dona de casa.
O cirurgião Zacharias Calil diz que Kemilly está reagindo bem ao tratamento. “Precisamos fazer uma reaplicação em algumas áreas, mas isso já era esperado. Mas podemos perceber que os pelos já estão sumindo em determinadas partes do corpo”, afirmou.
O médico diz que, apesar da complexidade do caso, ele acredita que os pelos irão sumir de vez. “É um pouco difícil precisar o futuro, pois ela é a primeira paciente que tenho com essa característica. No entanto, os resultados que estamos conseguindo são satisfatórios”, concluiu.
A próxima sessão de laserterapia está prevista para o próximo dia 20 de março, em função do feriado de carnaval.