Vendedor teve 72% do corpo queimado ao tentar salvar criança. Ele afirma que ajuda do governo é insuficiente para tratamento.
Um ano e dois meses após os ataques a ônibus registrados em São Luís, um dos sobreviventes relata as dificuldades que enfrenta para conseguir manter o tratamento. Márcio Ronny da Cruz, de 38 anos, teve 72% do corpo queimado após tentar ajudar uma criança a sair do veículo atacado por bandidos. Como o corpo de Ana Clara, de seis anos, estava em chamas, o vendedor de frangos abraçou a menina, que não resistiu aos ferimentos e morreu três dias depois.
Na manhã desta sexta-feira (20), Márcio iria ter uma consulta com um oftalmologista, que foi desmarcada. Um dos olhos foi seriamente afetado pelo fogo. Para se locomover do município de São José de Ribamar, na Região Metropolitana de São Luís, até o Bairro de Fátima, na capital, ele precisou usar o transporte público. Segundo ele, a Secretaria de Saúde do Estado avisou que não poderia transportá-lo.
"É uma burocracia. Agora, eu tenho que agendar essa consulta com um mês de antecedência porque se for em cima da hora eu não consigo a passagem. As passagens para o próximo mês, para mim e para minha irmã, o governo me informou que conseguiu, mas eu não sei se tenho condições de viajar. A diária que recebemos é de R$ 24,75. Não dá pra nada porque só o hotel é R$ 150,00 e ainda precisamos pegar táxi e comer". Ainda segundo Márcio Ronny, o valor das diárias só são repassados um mês após ele retornar para São Luís.
Mensalmente, Márcio Ronny gasta cerca de R$ 420 reais com medicamentos. Ele recebe a quantia de R$ 1.000 do governo do Maranhão para gastos com o tratamento. Entretanto, impossibilitado de trabalhar, ele afirma que o dinheiro é insuficiente. "Tentei junto ao INSS me aposentar, mas eles disseram que eu posso trabalhar. Eu nunca mais vou voltar a trabalhar. Eu não consigo fazer força e não posso pegar sol. Hoje, dependem de mim cinco crianças e a minha esposa", diz.
Márcio Ronny passou três meses internado em um hospital de Goiânia para tratar as lesões causadas pelo fogo. Ele passou por três cirurgias e após voltar para o Maranhão, ainda precisa continuar o tratamento das queimaduras. Ele precisa retornar uma vez por mês ao Hospital de Queimaduras de Goiânia (HQG) e a próxima consulta está marcada para o dia 10 de abril, mas não sabe se terá condições de viajar.
Entenda
Os ataques a ônibus em São Luís começaram após uma operação realizada pela Tropa de Choque da Polícia Militar no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, com o objetivo de diminuir as mortes nas unidades prisionais do Maranhão. Foram incendiados ônibus nos bairros da Vila Sarney, na Avenida Kennedy, João Paulo e na Avenida Ferreira Gullar. Além disso, duas delegacias foram alvo de tiros no São Francisco e na Liberdade.
A menina Ana Clara Santos Sousa, de 6 anos, teve 95% do corpo queimado e morreu três dias após o ataque. Ana Clara estava com a mãe e a irmã, na Vila Sarney, quando o veículo foi invadido e incendiado por homens armados. Márcio Ronny da Cruz teve 72% do corpo queimado e foi internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Tarquínio Lopes Filho. Ele foi transferido para um hospital de Goiânia dias depois.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, dez suspeitos de executarem os ataques a ônibus foram presos. Escutas telefônicas gravadas com autorização judicial mostram que a ordem para os ataques na capital maranhense partiu de dentro do Complexo de Pedrinhas.